

Os restos mortais do poeta repousam no Palácio Cruz e Souza, no centro de Florianópolis - SC.
O poeta descendente de escravos viveu uma jornada marcada profundamente pelos acontecimentos da época, acontecimentos estes que o colocaram em um desconforto e tormento… Um verdadeiro limbo.
O que reservaria o destino para um filho de servos que nasceu livre e compôs seus primeiros versos aos sete anos de idade, e aos oito já declamava poesias em salões e teatrinhos. Tutoreado pelo casal abolicionista Marechal de Campo Guilherme Xavier de Souza e Clara Angélica, que iniciou o seu letramento, aos dez anos Cruz e Souza passa a estudar no Ateneu Provincial Catarinense, muito conceituado na região.
Tudo parecia se encaminhar bem na vida do pequeno João, em uma dualidade de realidades que o conduziam pelos mundos de sua época, pois não foi abandonado pelos pais mas, no entanto, assumiu a condição de filho que a família dos ex-senhores destes não possuíam. Assim, com a família de abolicionistas — quando ainda não era um movimento tão organizado no Brasil —, foi tratado com os requintes abastados que só ressaltavam os seus dons naturais para as letras, com a formação que só mesmo a “Casa-Grande” poderia oferecer.
A vida para a qual estava se projetando tomou um rumo incerto com o falecimento dos seus padrinhos, o que o colocou à sombra da sociedade por conta de suas origens, o que demandou um desdobrar em seu desempenho. Ocupar lugar de destaque na História, embora tardiamente, nos dá o exemplo de que nós vamos… mas o legado fica em prol de uma revolução que é contínua, pois a conquista de direitos ou a sua manutenção são fruto da luta diária.
Cruz e Souza (1861–1898) foi muito além com as suas palavras, seguindo na luta abolicionista, não somente na poesia como, também, no jornalismo.
Mesmo em uma vida marcada por tragédias pessoais e dificuldades financeiras, estas últimas impostas pela sua condição social, o catarinense da então Nossa Senhora do Desterro (atual capital Florianópolis), nasceu livre nas ideias e foi com elas que marcou a literatura brasileira e se projetou mundialmente, com um tardio reconhecimento.
E foi o filho de escravos alforriados, que precocemente demonstrava inclinação para artes, línguas e literatura, que introduziu o Simbolismo no Brasil, vertente da qual se tornaria um Mestre. Escritor e jornalista, atuou, com todo o vigor da palavra, como abolicionista, liderando conferências. Colaborou em diversos periódicos, tanto em jornais quanto em revistas, em que as publicações estavam, muitas vezes, pautadas no tema do racismo e do preconceito racial, do qual foi vitima em vários momentos.
Em 1885 lançou “Trópos e Phantasias”, seu primeiro livro, em parceria com Virgílio Várzea. Obras referenciais do autor são: “Missal” (poemas em prosa) e “Broquéis” (poemas), ambos lançados em 1893 — estas foram as suas publicações em vida.
Viveu no Rio de Janeiro, e foi em solo carioca que lançou seus livros, casou e teve filhos. Infortúnios o perseguiam, somados a problemas financeiros. A morte prematura dos filhos ocasionaram problemas mentais à esposa Gavita Gonçalves, e marcaram profundamente sua obra. Temas como a solidão, a dor e o sofrimento pautam seus escritos.
Vitimado pela tuberculose, se transferiu para Curral Novo, na época localidade de Barbacena-MG. Viria a falecer pouco tempo depois.
Foi transportado para o Rio de Janeiro e sepultado por amigos, dentre eles José do Patrocínio, onde permaneceu até 2007. Os restos mortais então acolhidos no Palácio Cruz e Souza, no centro de Florianópolis-SC.
Contrariando todas as agruras da vividas… continua ainda mais vivo, e propagando ideias.
Esta 15ª edição do Velório Poético, brinda a homenagem feita aos 160 anos de nascimento de João da Cruz e Souza com o lançamento da Biblioteca MEMÓRIAS VIVAS Domínio Público.